"A vida real de uma pessoa é muitas vezes a vida que ela não leva." - Oscar Wilde
Acordo e respiro o ar de mi Buenos aires querido. Mi vida inventada se hace por las calles donde se habla español y se escucha el tango. Silenciosamente, visto um casaco bem quente. Caminho com pés firmes pela Avenida Corrientes até o meu café favorito. Sim, há um em cada esquina, mas sempre há os favoritos. O dia está levemente frio e o sol aquece minha pele. Tudo me encanta nessa cidade e sinto que aqui pertenço desde a primeira vez em que a visitei. Aqui me quedo, penso.
Chego ao El Gato Negro, venho sempre pensando nos cafés, muitas vezes me rendo aos chás. Logo, sou invadida por tantos deliciosos aromas. Canela, jasmin, cravo, gengibre, cardamomo. Um belo ritual para iniciar bem o dia. Pido un cortado y una medialuna. Cercada pelo aconchego do ambiente, fecho os olhos e respiro fundo. "Con los ojos no te veo"*. Ouço o tango. De Piazzolla a Narcotango, casí todo me gusta.
Me perco entre pensamentos, planejando meu dia. Penso nas livrarias, nos museus, nas galerias, nas ruas, nas árvores. Baires é cultura e arte. Amo caminhar por suas ruas, planas, percorro longas distâncias sem cansaço ou aborrecimento. El Ateneo me atrai quase como um ímã. Me perco pelas ruas de San Telmo, Belgrano, Balvanera, Palermo e Recoleta me encantam, poderia passar horas visitando o Colón. Penso sempre em Evita. E também em Silvina**, ela que tanto afirmava que sua vida nada tinha a ver com o que escrevia.
A fome chega e fico indecisa sobre o almoço. Una milanesa? Parrilla en El Establo? Ravioles en Broccolino? Comida sana en Sattva? Hierbabuena? Ou me entregar ao charme do Milion? Para beber, não há indecisão: una copa de vino. A tarde será dedicada à leitura e à escrita. Possivelmente em outro dos meus cafés favoritos.
Em Tribunales, pego o subte até a Catedral, linea D. Vejo uma vez mais a Casa Rosada. Na Plaza de Mayo, penso nas madres y abuelas. Junto-me a elas, grito com elas, para que nunca se le olviden, para que nunca se olviden sus hijos y nietos. Fortalecida pela potência dessas valorosas mulheres, repetirei sempre "ni una a menos".
Passo pelo Cabildo, entro na Avenida de Mayo. Talvez vá ao London City, como fazia Cortázar, talvez siga até o quase bicentenário e belo Tortoni. Penso nas vidas que já vivi aqui. Me decido pelo Tortoni e me instalo numa de suas mesas.
Ao entardecer, penso nos teatros, um convite a cada noite, um vasto repertório. Já vi Darín da primeira fila. Escolho um espetáculo musical. Saindo do teatro, antes de volver a casa, tengo dudas para cenar. Empanadas en La Morada? Pizza a la barra? Guerrin o El Cuartito? Y, sin duda, otra copa de vino. Como na minha vida inventada não há acúmulo de gordura corporal, também caberá una panqueque de dulce de leche.
Mais do que satisfeita, rumo à Riobamba, via Corrientes, mi casa es cerca. Abro a porta e vejo mi hija, mi marido y nuestros gatos. Nos abraçamos com saudades. Hoje o dia foi meu, amanhã passearemos juntos. Mañana. Agora é tarde, hora de dormir.
Como é bom viver e sonhar em espanhol, esse idioma tão melodioso. "Ciudad nuestra, laberinto de rutina y de aventura"***, te quiero tanto! Mi alma porteña suplica pela libertação das garras destruidoras da extrema direita que hoje aprisionam a Argentina para que tenhamos novamente aires buenos.
Daniela Annes Spera
Porto Alegre, sonhando com Buenos Aires - 30/07/2024
*"El Mareo" - Bajofondo ft. Gustavo Cerati
**Silvina OCampo - escritora argentina
***"Porteñesa Heroica" - Horacio Ferrer
PS: Perdoem-me pelos possíveis erros da escrita em espanhol. Escrever esse texto é declarar meu amor antigo por Buenos Aires e assumir meu desejo e sonho de um dia lá morar. Além de me assumir uma espécie de Rosalinda, a personagem amiga de Sira (nome de uma das minhas gatas, por sinal), do maravilhoso “O Tempo entre Costuras”, de Maria Dueñas.